












Elas chegam pelo mar
“Contam os mais velhos que em noites sem lua, quando o escuro toma tudo e até pescador perde a vista, as Incriadas aparecem. Têm esse nome porque o povo de praia acredita que é nessas aparições que elas se criam, sendo sem pai nem mãe, paridas de si próprias, do barulho e da explosão. Alguns escutam o som da chegada, outros escutam nada, mas a pele sente um calor estranho. Há quem esteja na praia e enxergue a hora em que elas surgem do clarão. E de uma formam-se duas, e da água mais delas começam a se levantar.
Todos temem as Incriadas.
As Incriadas não temem nada nem ninguém.”
Elas chegam pelo mar é uma investigação sobre a Lenda das Incriadas, tradição oral dos povos de praia do nordeste brasileiro. Segundo a lenda, as Incriadas são monstras que se fabricam no profundo do mar e que, em noites de lua minguante, aparecem em flahs de luz na beira da água salgada. Assim, a obra mapeia as aparições destes seres ao longo do litoral, utilizando-se de fotografias, vídeos, coleta de objetos e de um estudo sonoro, que se dedica a elencar os sons que compõem os ambientes marinhos e praianos, pensando as ondas sonoras que se misturam tanto nesta autofabricação quanto na chegada das monstras à superfície.
Compostas de tudo que existe no mar, afetadas também pela urgência climática, pelas ilhas de lixo, vulcões marítimos, pela acidificação dos oceanos e pelos microplásticos, as Incriadas contrariam as ideias de um Nordeste brasileiro idílico com a história de terror com sua história, nos fazendo refletir também sobre os mistérios e as opacidades que povoam a mitologia dos povos de praia nordestinos. Em outra medida, pensar em uma ficção sobre monstras litorâneas nos questiona também sobre quais corpos têm lugar nas sociedades contemporâneas e quais precisam criar outros espaços de existência sem que sejam considerados aberrantes ou abjetos, se pensarmos o conceito de Dana Haraway de corpos inapropriados/veis – aqueles que habitam as fronteiras e não se encaixam em lugar algum.