Remissão
2016 - 2017 

Meninas de vestido não podem subir em árvores. Nem sentar de pernas abertas. Nem correr tão rápido, de saltinho e bolsa no ombro. Meninas, quando cozinham, já servem para casar. Arrumam a casa, nas brincadeiras, com fogõezinhos, vassourinhas, tão bonitinhas brincando de mãe e filhinha, tão arrumadinhas, sentadinhas. Não sente no colo do tio, minha filha, preste atenção. Olha a calcinha aparecendo, meninas não fazem isso, se comporte, seja boazinha, não reclame, vá brincar caladinha com suas bonequinhas. Aceite o abraço do amiguinho – olha, que lindo, vão ser namoradinhos –, não xingue, não se suje, não seja tão raivosa era só brincadeirinha, reclama mas gosta.

Moças são puras e castas, tão estudiosas, tão comportadas, tão obedientes. Quem mandou aquela outra sair de roupa curta? Por isso foi assediada, por isso teve o corpo tocado no ônibus, gostosa, olha ali a novinha, é safada, sabia o que estava fazendo, por isso ninguém quis, quem mandou transar? Filha minha, não.

Mulheres são sérias,, boas mães – não quer ter filhos? – casadas, fieis, resignadas, edificam seus lares e, quando boas o suficiente, consertam maridos ausentes, agressores, maus meninos que só precisam de uma mulher de verdade. Ah, Amélia, sem nenhuma vaidade; ah, mulher boa, compreensiva, que aguenta os porres do marido, mulher de malandro, que gosta mesmo é de apanhar, que reclama mas fica com ele, bem feito, fica porque quer, quem mandou não trabalhar?

Não ocupam as ruas. Não sentam nas praças e conversam sentindo o vento da tarde, nunca estão despreocupadas – vigilantes, atentas, de corpo em riste para defesa e proteção. No ônibus precisam enxergar se há investidas sexuais, na rua vigiam se há iluminação, homens suspeitos, possibilidade de estupro. Gostosa, puta, vadia, vagabunda, olha o rabo dela, vou pegar você, vou te comer, não corre não, volta aqui novinha, eita se eu pego, isso lá em casa eu faço um estrago, ou dá ou desce, quem você pensa que é, sua puta? Tá pensando que alguém te quer? Amarga, moça velha, feia, puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta puta.

Cataloguei durante seis meses todos os assédios que sofri nas ruas, em 2017. Para cada assédio uma pedra: foram 152. Com elas me propus a uma série de ações/experiências, elaborando em meu corpo jeitos de dirimir o medo, a violência e a dor. 


2017
_ Exposição individual / Espaço Cultural dos Correios, Fortaleza - CE.

2016
_ Encontros de Agosto / Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Fortaleza - CE.